Carregando página NINHO.
A+
A-
Para mães e pais 
em fase de crescimento.

Novidades:

Ninhos do Brasil + Carochinha Editora: Ninhos do Brasil se uniu à Carochinha Editora, selecionando histórias que auxiliam nas questões enfrentadas em diferentes fases. Confira!

Para criar filhos sem preconceito: educação e bons exemplos

Negra Li NL
qui, 17/06/2021 - 10:30
Fora, preconceito: Negra Li, sua filha e seu filho posam para a foto, sorrindo com cabelos cacheados e roupas com a mesma estampa.

A Sofia tinha quatro anos quando voltou da escola dizendo que uma menina disse que o cabelo dela era feio. Antes de falar qualquer coisa, fiquei em silêncio por alguns segundos. É claro que eu imaginei que um dia ela pudesse passar por isso, eu sei bem o que nós ouvimos no colégio, mas não estava preparada. Afinal, ela tinha apenas quatro anos.

Na hora, só me veio a ideia de perguntar a ela se estava de acordo com a menina, se ela também achava que o cabelo dela era feio. Ela disse que não. Continuei e perguntei quantas vezes ela já tinha ouvido o quanto o cabelo dela era lindo, e ela respondeu dizendo que muitas vezes, praticamente todos os dias.

Então expliquei sobre “gostos”, tentei explicar de uma forma que ela entendesse mesmo tão pequena, que cada uma tem sua beleza e seu gosto particular para uma determinada beleza. Mas também procurei deixar claro que a menina tinha sido mal-educada ao falar o que ela falou, da maneira que falou, e que ela não deveria nunca fazer o mesmo

Eu mesma enfrentei e enfrento preconceitos vindo de todos os lados: por ser negra, mulher, periférica, evangélica, mãe solo, rapper, artista, divorciada, xiii ... a lista é grande. Nunca vou me acostumar. É triste e muito desagradável, mas acho que educação é a chave.

Sim, preconceito é falta de educação, você não é obrigado a gostar de alguém, da posição ou religião, mas tem que respeitar!

Por isso faço o que for preciso para que meus filhos tenham uma boa base de educação. Me esforço em ser uma pessoa cada vez melhor, porque as palavras voam com o vento e as atitudes falam por si só. Prepará-los para viver em um mundo cruel e cheio de preconceito é um grande desafio, mas é preciso encará-lo de frente.

Encarar o preconceito e dar o bom exemplo: difícil, mas necessário

Tento abordar o assunto com meus filhos toda vez que tenho a oportunidade para uma conversa mais aberta.

Com a Sofia, minha filha mais velha, abordo de forma mais clara, mesmo porque muitas vezes é ela quem levanta as questões para debatermos, como no episódio do cabelo.

Já com o Noah, tento passar de forma mais lúdica. Muitas vezes, uso os personagens de filmes e desenhos que ele gosta, para mostrar o exemplo, a diversidade, como cada um tem uma cor, uma força, que todos têm seu valor e que, juntos, são imbatíveis.

Não sou perfeita e sei que posso ter transmitido preconceitos aos meus filhos sem perceber. Educar os filhos não é uma tarefa fácil, e a gente se culpa o tempo todo.

Sei que não adianta belos discursos, se eles não condizem com as nossas ações. Olha o que aconteceu outro dia:

Eu saí com a Sofia e entramos em uma loja de acessórios para cabelo. Sofia devia estar com uns sete anos. Ela tem um cabelo comprido e volumoso e, nesse dia, estava solto, lindo. De repente uma senhora, cliente da loja, nos aborda exclamando:

- Nossa, olha esse cabelo! E em seguida perguntou:
- Como é que penteia? Como você lava?
 Eu respondi bem seca:
- Penteio com pente e lavo com água.

Eu sei que aquela senhora foi inconveniente, mas também sei que eu poderia ter pegado mais leve, principalmente porque a Sofia estava ao meu lado, me observando. E eu canso de dizer a ela que tem que respeitar e ter paciência com os mais velhos.

Não vou negar: foi prazeroso dar essa resposta na hora, mas logo em seguida eu me senti mal, pois respondi à altura da inconveniência dela, constrangendo-a na loja. Ao sair da loja, conversei com a Sofia, me expliquei e dei exemplos de algumas formas que eu poderia ter respondido àquela senhora, sem que eu me sentisse mal por isso.

Já perdi as contas de quantas vezes fui abordada assim por conta do cabelo, é cansativo e desgastante toda essa situação... passei por outras situações em que fui mais paciente e fiquei de coração aliviado por não agir da mesma forma.

Autoestima e representatividade

Interessante, acabei dando dois exemplos que tinham a ver com os cabelos, sem perceber. Para vermos o quanto a aparência é um ponto importante quando o assunto é preconceito.

Por isso faço questão de trabalhar a autoestima dos meus filhos, além da representatividade que é tão importante. Como bem disse Beyoncé: “O mundo vai te ver do jeito que você se vê e te tratar do jeito que você se trata”. As crianças negras precisam se ver como chefes, como donas, como presidentes, precisam saber que são capazes de qualquer coisa, ter confiança e liberdade. Se amar.

Gosto também de discutir sobre o feminismo com minha filha. Nós, mulheres, infelizmente ainda sofremos demais. São inúmeras as preocupações que temos diariamente apenas por sermos mulheres. Fui obrigada a explicar coisas para ela mesmo achando que ela era nova demais, porque a internet chega primeiro. É inevitável nos tempos em que vivemos, com a velocidade que chegam as informações. Precisamos agir rápido, se não quisermos que nossos filhos aprendam de maneira diferente do que a gente quer.

Aprender, escutar e respeitar sempre

Quando vivo situações de preconceito ao lado dos meus filhos, ou de qualquer pessoa, falo imediatamente, assim que identifico. Isso porque acho importante a pessoa analisar junto comigo. É um alívio dividir esse fardo, principalmente quando a pessoa não reluta em querer enxergar. Sim, porque também cansa quando insistem em não enxergar o que está tão evidente.

E acho interessante o quanto essas experiências trazem reflexões também. Tenho muito orgulho de ter iniciado a minha carreira no rap, pois isso me deu a oportunidade de refletir muito sobre cada momento que vivi, sobre política, desigualdade, sobre a verdade por trás da escravidão etc...

Em trabalhos, como o filme “Antônia”, pude trazer debates importantes, como a dificuldade de conciliar maternidade e trabalho, de abordar sobre o machismo, a violência doméstica e a dificuldade em viver da arte no nosso país.

Espero que meus filhos possam viver num mundo melhor do que esse em que vivemos hoje e que possam eles serem responsáveis por isso também.

As crianças são muito observadoras, inteligentes e com muito acesso à informação hoje em dia! Então, se quisermos vê-las mais preparadas para enfrentar o mundo, precisamos nós, adultos, fazer o possível para transformar esse mundo num lugar melhor.

Como? Com exemplo.

Eu gosto de respeitar meus filhos, deixando que expressem suas opiniões, e aprendo muito com eles por conta disso. Quando eu era pequena, me lembro de estar junto da minha família sentada à mesa e debatermos coisas da vida. Foi tão importante e tão bom ser ouvida quando criança, embora tenha acontecido poucas vezes comigo.

Os adultos sempre tratam crianças como invisíveis, pelo menos era essa a sensação que eu tinha, por isso tento fazer diferente. Ouvir e escutar. Tratar com carinho a linha de raciocínio de uma criança, ajudá-las a entender os porquês.

Fazer isso é dar um exemplo para que elas possam ouvir e dar atenção às pessoas no futuro, mostrar que se importam. Empatia é o que todos precisam ter para que não exista mais espaço para preconceitos, seja racial ou social, nem para machismo, homofobia, preconceito linguístico, gordofobia, capacitismo, ou qualquer discriminação e intolerância.

Criar filhos sem preconceitos

Isso começa cedo. Não podemos achar que crianças não são preconceituosas, é muito comum o preconceito infantil. Afinal, elas replicam o comportamento dos adultos.

Na escola, quando querem pertencer a certos grupos, acabam excluindo crianças que acham que não se enquadram, que têm aparência diferente ou alguma deficiência. Ou então fazem o tal de menino contra menina, comum em algumas fases da infância. Precisamos ficar atentos para que nenhuma situação venha a tomar dimensões maiores.

É uma tarefa difícil, já que ainda temos uma longa jornada para eliminar o preconceito no mundo.

Nos resta tentar reforçar o quanto as diferenças são interessantes, que cada um tem sua singularidade e que não teria graça se fôssemos todos iguais. Sem esquecer da importância de darmos bons exemplos e fazer um baita exercício de olharmos para nós mesmos. É doloroso quando nos deparamos com nossos próprios preconceitos, não é mesmo?

Criar filhos que não tenham preconceito e que saibam enfrentar o preconceito está em nossas mãos. É preciso muito diálogo e coerência em nossas atitudes. Bora ser melhores e cuidar dos nossos bens mais preciosos que são nossos filhos!

Não poderemos mantê-los por muito tempo debaixo de nossas asas, mas podemos, sim, prepará-los da melhor forma possível. O mundo atual está pouco receptivo e respeitoso, por isso é preciso começar na família. A humanidade vive a utopia de que algo vai acontecer para o mundo se transformar em um lugar melhor, mas a verdade é que a transformação começa dentro da gente!

Tags deste conteúdo
X