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“Pãe” não existe: mães e pais solo, sim

Samara Felippo SF
ter, 22/11/2022 - 10:00
mulher sorrindo abraçada com duas crianças

“Se existe pãe, por que ninguém fala em mai?” Vi essa chamada numa matéria de revista e achei apropriado e interessante trazer para o debate. 

Antes de mais nada, queria que vocês refletissem comigo sobre esse termo. Sei que pode parecer uma discussão boba, que alguém pode dizer: “Ah, Samara! Mas deixa ela se chamar e gostar de ser chamada de pãe”. Eu não tenho poder para proibir nada e nem desejo isso, apenas quero propor um debate sobre a expressão.

Para mim, pãe é mais uma tentativa de relativizar de forma velada o abandono paterno, além de romantizar o cansaço, a sobrecarga, o estresse, a solidão e a jornada contínua de uma mãe solo. E esse é um conceito bastante equivocado, além de cruel.

Ausência paterna no Brasil aumenta a cada ano

A ausência paterna é uma realidade no Brasil que aumenta a cada ano. Segundo dados da Associação Nacional dos Registros de Pessoas Naturais do Brasil (ARPENBRASIL), os cartórios de registro civil indicam que quase 57 mil crianças foram registradas somente com o nome da mãe nos primeiros meses de 2022. Entre janeiro e abril de 2018, aproximadamente 5,3% dos registros de nascimentos foram feitos sem o nome do pai. Em 2020 e 2021 o índice saltou pouca coisa, variando entre 5,8% e 5,9%. Porém, no mesmo período em 2022, o percentual saltou para 6,6% – o maior até agora.

Os números mostram um cenário bastante claro: mais mulheres estão se tornando as únicas responsáveis pelas finanças, pelos cuidados com a casa, a educação e a atenção afetiva de seus filhos. 

E quem nos dera que essa quantidade de crianças sem registro de um pai na certidão fosse devido à presença de duas mães em famílias homoafetivas ou acontecesse em função da escolha da mulher. Mas não são esses os motivos. O motivo é abandono paterno, mesmo. 

A naturalização do abandono

Esse cenário se dá por conta da irresponsabilidade de alguns homens e a naturalização com que isso vem acontecendo por anos e anos. E nós, mulheres mães, corroboramos com isso aceitando termos e rótulos como pãe, que só fazem a sociedade achar que somos fortes o suficiente para dar conta de tudo sozinhas.

Não, não somos, e não precisamos ser. Isso traz depressão, frustração e falta de amor-próprio para as mães. Sempre achando que poderíamos suprir aquele buraco que o genitor deixou.

A saúde mental é importante para a gestão de um lar, principalmente quando existe uma mulher sozinha para todas as funções. É preciso ficar claro que ser pai definitivamente não é função dela. 

Ela não fez essa criança sozinha e, quando o abandono acontece, a lacuna ficará na vida da família. A criança terá que crescer sabendo que ali houve um abandono. E, além de tudo que essa mãe passará por causa do desamparo, terá que saber conversar de forma respeitosa e acolhedora com sua criança.

A mulher não deveria ser a responsável por ser pai e mãe das crianças

É importante ressaltar sempre que uma mulher que foi abandonada não deve ser a responsável por ser pai e mãe da criança que vai nascer. Se ela cumpre com seu papel com competência, da forma possível dentro de todo o seu recorte social, ela é uma grande mãe, dedicada e que faz seu melhor. Afinal, tudo na vida dela passa a ser mais difícil: arrumar emprego, gerar renda, descansar, cuidar de si, cuidar das crianças, socializar, manter a saúde física e mental, ter um círculo de amigos, entre outros aspectos. 

O termo pãe naturaliza nosso cansaço e exaustão. Da mesma forma que outra expressão muito difundida: guerreira. Não sou guerreira, não sou pãe. Sou uma mãe solo e não solteira, com responsabilidades e muito amor – e muito, muito cansada. 

Pai não ajuda, pai cria junto

Ainda nesse corte de paternidade, somos desde cedo ensinadas pelo patriarcado que os homens trabalham muito, colocam dinheiro em casa. Em contrapartida, a mulher fica em casa cuidando das crianças. 

Quando o homem chega em casa cansado do trabalho, mal reconhece que sua mulher trabalhou o dia todo sem sequer ter folga, almoço, salário e uma promoção, quem sabe. 

Entretanto, vestimos a camisa do “ele até me ajuda”. Nunca vou cansar de repetir: pai de verdade não ajuda, ele cria junto. Mesmo trabalhando fora, ele é tão responsável quanto a mãe. 

E aqui posso afirmar que isso é tão enraizado em nós, nessa reprodução machista, que, quando eles fazem qualquer mínima tarefa com os filhos, são considerados por muitos como o “pai do ano”. Aplausos e muitos likes na foto postada na rede social.

Quando uma mulher faz tudo que pode para dar qualidade de vida para seus filhos, ultrapassando todos os limites, nunca é reconhecida. É como se ela não estivesse fazendo mais do que sua obrigação. Por que essa cobrança não é a mesma com os homens? 

Por isso, esse termo, para mim, é tão nocivo para o papel da mulher mãe solo na sociedade.

Debate que gera polêmicas

Quando levantei esse debate nas minhas redes sociais, gerou muita polêmica: primeiro entre as mães que amam ser chamadas assim, depois pelos pais solo também. Mas aí você pode dizer: “Mas, Samara, eu adoro a homenagem, sou mãe sozinha e me sinto feliz”. Entretanto, não quero tirar sua felicidade, mas sinto lhe dizer, você não é pãe

Também percebi com meus posts sobre o assunto que a maioria das mulheres que vinham desabafar suas dores e exaustões eram casadas. E é por isso que digo que existe mãe solo e não solteira, porque nosso estado civil nada tem a ver com nossa maternidade. Existem milhares de famílias compostas por mulheres casadas e sozinhas nessa jornada da maternidade. 

Óbvio que podemos encontrar muitos pais solo, dedicados, amorosos, cumprindo com muita competência seu papel de criar sozinhos os filhos, seja ao perder a esposa, seja por abandono materno, e que também são chamados de pães, o que é um equívoco pra mim. A lacuna dessa mãe, dessa figura materna deve ser conversada, acolhida.

Mesmo assim, ninguém questiona esses homens em sua paternidade, ninguém os julga em sua função ou o rotula como mai ou pãe

Políticas sociais para mães solos

Para a felicidade das mães solo, o Senado aprovou, no dia 8 de julho de 2022, o Projeto de Lei (PL) 3717/2021, de autoria do senador Eduardo Braga (PMDB-AM), que prevê prioridade de atendimento em políticas sociais e econômicas para mães solo. Entre algumas das melhorias da lei estão o pagamento em dobro de benefícios, prioridade em creches, cotas mínimas de contratação em empresas e acesso a crédito. 

A medida segue para votação na Câmara dos Deputados. Caso aprovada, será instituída a Lei dos Direitos da Mãe Solo, com vigência de 20 anos ou até que a taxa de pobreza em domicílios formados por famílias monoparentais chefiadas por mulheres seja reduzida a 20%.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem mais de 11 milhões de mulheres que são as únicas responsáveis pelos cuidados com filhos e filhas. Além disso, 63% das casas chefiadas por mulheres estão abaixo da linha da pobreza.

Homens que decidiram reconhecer filhos ou filhas só precisam comparecer a esses locais com a certidão de nascimento da criança e anuência da mãe. 

Nos casos em que os pais se recusam a fazer o registro, as mães podem recorrer aos próprios cartórios para comunicar a negativa. Então, os estabelecimentos comunicam aos órgãos competentes para abrir a investigação da paternidade.

Reconheço o meu privilégio

Dito tudo isso, sou sim de um grupo de mãe solo privilegiado. Tive babá, tive ajuda da minha mãe nos primeiros anos de vida das meninas quando me separei. Hoje, tendo me mudado pra São Paulo, sem babá e longe da minha mãe, tenho que contar com uma rede de apoio de amigos. 

Não casei e tive filhos pensando em ser mãe solo – a maternidade já é um desafio, imagina sozinha? Mas não julgo mulheres que decidem ser mães ou passar pela experiência da maternidade sozinhas, seja pelo método que for. 

Tento sempre olhar pelo lado positivo: minhas filhas estando mais próximas de mim, consigo manter um diálogo mais direto e aberto sobre todas as questões pertinentes da vida delas inseridas nessa sociedade tão machista, racista e homofóbica que vivemos. 

Você pode se sentir homenageada, você pode adorar ser chamada de pãe no dia das mães, mas, convenhamos: se parar pra pensar fora dessa caixa em que te colocaram, você verá que na maioria dos casos o pai foge à luta, mas uma mãe, jamais. 

Parabéns por essa mãe incrível que você é.

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