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Ninhos do Brasil + Carochinha Editora: Ninhos do Brasil se uniu à Carochinha Editora, selecionando histórias que auxiliam nas questões enfrentadas em diferentes fases. Confira!

Racismo na escola? A afrobetização pode mudar essa realidade!

Ninhos do Brasil NB
ter, 04/01/2022 - 10:00
Uma criança negra, vestindo uma camiseta listrada e máscara hospitalar, anota em seu caderno durante a aula. As crianças negras são um dos grupos mais suscetíveis a sofrer racismo na escola, além das crianças indígenas e amarelas.

O racismo é um problema estrutural em nosso país e, como tal, se manifesta em diversos contextos, incluindo o ambiente escolar.

Como a relação de desigualdade racial aparece na escola? O que mães e pais podem fazer para ajudar seus filhos e as instituições escolares a enfrentar o problema de forma mais efetiva?

Convidamos três pessoas negras: duas mães e um pai, para falar sobre como o racismo na escola impacta a vida das crianças e como lidar com a questão.

Enfim, o que é racismo?
O racismo é uma estrutura de opressão que se baseia na crença de que existe uma relação de superioridade entre raças e etnias.
Devido ao passado escravocrata do Brasil, o racismo se expressa em diversos âmbitos, do individual ao social, e está presente nas instituições e nas leis.

Que ações podem ser consideradas racistas?
O racismo é, infelizmente, uma característica cultural do Brasil, que nos acompanha pela nossa história. Por isso, atitudes que consideramos comuns podem, sim, ser racistas.
Pressupor que apenas uma única cor de lápis representa cor de pele ou excluir um colega pela sua raça ou etnia, por exemplo, são atitudes racistas.

“Solte o cabelo, prenda o preconceito”

Começaremos a tratar do racismo na escola não por uma análise sociológica complexa, mas falando de cabelo. Sim, de cabelo.

O jornalista e pesquisador Wagner Machado está cansado de mandar mensagens à escola pedindo que as professoras parem de prender o cabelo de sua filha Laís, de 2 anos e 8 meses.

“Nós não prendemos, apenas colocamos topezinhos, e ela voltava da escola com o cabelo trançado, uma trança de raiz assim, bem afro, bem pegada, só que não nos agrada isso. Nós queremos que ela tenha cabelo livre, solto, como a gente quer que ela seja de forma geral. A escola tem um diário online e eu pedi para não fazerem trança. Continuaram. Eu fui lá e expliquei que não queria. E agora eles vão lá e prendem, puxando bem o pompom da Laís, muito forte. A gente não quer porque incomoda o couro cabeludo.

E também tem coisas muito sutis, que nos incomodam porque remetem à infância, remetem a sofrimentos passados e a gente não quer que ela tenha essa referência. Minhas irmãs tinham essa mesma trança, porque o cabelo solto era associado à sujeira, ao não cuidado. É concebido que o cabelo solto do negro é ruim, embora hoje já tenha mudado a visão geral, e cabelo solto traz empoderamento, mas para a criança tem sido meio difícil.”

O predomínio de uma estética racista, embora esteja diminuindo com a evolução do debate, ainda se faz sentir em diversos contextos. E o ambiente escolar é parte disso.

Escolas combatendo o racismo

Na Escola Municipal Saint-Hilaire, localizada na periferia de Porto Alegre, o enfrentamento a essa norma racista não escrita, de que negros devem prender o cabelo, foi o princípio de uma revolução.

A professora Larisse Silva de Moraes, mãe de Thiago, 9 anos, costumava alisar o cabelo até 2017. O que a fez mudar não apenas o penteado, mas também a própria prática pedagógica, foi um pedido de ajuda de uma aluna negra de 10 anos.

Larisse conta que, em uma atividade sobre aceitação e diversidade, uma estudante chamada Kherollen escreveu uma carta contando o aperto no peito que sentia quando as pessoas falavam mal do seu cabelo. O relato de Kherollen impactou enormemente a professora e seus colegas.

Essa inquietação foi a semente do projeto Afroativos, que começou com uma ação coletiva para que as crianças negras aprendessem a valorizar e amar o próprio corpo. Com o lema “Solte o cabelo, prenda o preconceito”, os estudantes e a professora passaram a ostentar a beleza de cabelos soltos e cheios de vida.

A iniciativa cresceu e envolveu toda a comunidade escolar. Larisse começou trabalhando a autoestima dos alunos negros e de suas famílias, mas é claro que isso vai muito além da adoção do cabelo black power. O projeto Afroativos colocou muito mais coisas na cabeça dos estudantes.

crianças e adolescentes pousando para foto no pátio do colégio

Afrobetização: a ressignificação da história e da cultura

Combater o racismo na escola passa, necessariamente, por resgatar a memória esquecida dos negros e negras e sua contribuição para a formação do Brasil. E isso, como destaca a professora Larisse, “não é favor, é lei”. De fato, a Lei 10.639/2003 tornou obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas públicas e privadas do país. Mas será que a legislação é posta em prática?

“A lei acaba sendo contemplada apenas nas datas comemorativas. Mas nós somos negros todos os dias do ano”, pondera Larisse. 

Pensando nisso, a professora introduziu na sua escola, por meio do projeto Afroativos, o conceito de “afrobetização”. Afrobetizar, explica Larisse, é ressignificar a história, dando voz e vez a uma cultura que foi silenciada por séculos. 

Projeto Afroativos

A coordenadora do Afroativos levou seus alunos para visitar locais de Porto Alegre com importância histórica para o povo negro. Por que ninguém nunca tinha lhes contado o quanto aqueles lugares carregavam da história dos seus antepassados? Com a afrobetização praticada por Larisse, os estudantes negros passaram a ver sua cidade com outros olhos - e começaram a se ver nela.

Descobriram que a história do lugar onde vivem também é a história dos negros e negras que ajudaram a construí-lo.

O lugar dos negros na história do Brasil e do mundo também foi ressignificado pela confecção de um calendário, fruto de pesquisas realizadas pelos estudantes. No material, os alunos do Afroativos incluíram datas significativas que costumam passar à margem dos estudos em sala de aula. Assim, aniversários de personalidades negras, grandes feitos de negros e negras e a independência de nações africanas passaram a fazer parte dos saberes daquelas crianças e adolescentes.

Criando Crianças Pretas

A influenciadora digital Deh Bastos, mãe de José, 3 anos, também acredita na importância de desconstruir a visão eurocêntrica da história ensinada nas escolas. Há dois anos, ela lançou o Criando Crianças Pretas, um projeto para debater educação antirracista e consciência racial nas famílias. 

Assim como Larisse enriqueceu o estudo de História com as datas significativas para os negros, Deh reforça a necessidade de agregar referências que gerem identificação nas crianças.

“Precisamos de referências, representação e representatividade para crianças pretas e brancas também. Precisamos combater uma série de estereótipos que não podem ser reproduzidos e preparar um ambiente de acolhimento para nossas crianças pretas”, diz ela. 

Aqui, os papéis da escola e o das famílias se encontram. Afrobetizar e criar crianças pretas é uma tarefa para muitas mãos.

“Nós descendemos de reis e rainhas, de príncipes e princesas africanos”

Uma das coisas que mães e pais podem fazer para ajudar a escola a desenvolver uma educação antirracista é dar às crianças referenciais que fujam ao padrão eurocêntrico.

Wagner conta que começou a apresentar referências negras para Laís desde o nascimento da filha. 

“A gente tenta contar histórias, falar das nossas origens. Ela tem muitas bonecas negras, muitas. Deve ter umas 15 bonecas negras e três brancas. Aqui, o espelho é inverso. Inverso, não, o espelho é real. A proporção de pessoas negras, desenhos, bonecas, histórias com que ela tem contato é muito grande, para mostrar que ela existe no mundo, que ela não é minoria, que ela pode ser o que quiser”, diz o pai. 

Referências na vida real

Esse referencial, claro, não fica restrito ao mundo das bonecas e dos desenhos animados. Na mesma linha de Wagner, Larisse insiste na importância de ensinar, em casa e na escola, uma história negra do mundo real, que valorize toda a riqueza e diversidade da ancestralidade africana.

“Os livros didáticos contam que nós somos descendentes de escravizados. Não falam que nós descendemos de reis e rainhas, de príncipes e princesas africanos”, ressalta a professora. 

Combater o racismo na escola e formar crianças antirracistas passa por ações em diversas frentes. Se o racismo é estrutural, mudar essa realidade significa reformar toda a estrutura. 

“Acredito na formação continuada para educadores e funcionários de escola. E também na escuta, mas uma escuta ativa, que de fato esteja aberta e pronta para agir, a partir dos relatos e das colocações das partes envolvidas, principalmente das partes oprimidas. 

Uma outra questão, sobre as ações e políticas escolares que podem ajudar, é investimento. Não se faz educação antirracista sem investimento, sem que se crie um ambiente onde haja representatividade, onde as pessoas se vejam representadas com qualidade, com naturalidade. Então, quando eu falo em investimento, falo em acervo literário, jogos, brinquedos... Enfim, as instituições precisam também reservar parte do seu investimento para tornar a comunidade escolar um lugar com mais equidade”, pondera a professora Larisse. 

Como lidar com casos de racismo na escola

A participação de professores e responsáveis é importante para identificar e encaminhar corretamente os casos de racismo na escola, seja entre alunos ou profissionais. Preferencialmente, é importante ter a mediação de um profissional da área pedagógica que seja paciente e tenha domínio de diálogo. 

Pessoas racistas tendem a não se enxergar dessa forma e ter atitudes reativas, às vezes agressivas, dificultando a conversa e afastando soluções. Se necessário, envolva um psicólogo e considere alguns encontros de conversas, tendo como foco uma punição educativa para o ofensor.

Não se deve minimizar atos. É comum que as crianças sofram por muito tempo antes de denunciar ou articular seu incômodo, então, uma vez que a situação esteja expressa, deve-se acolher e ouvir. Também é importante não apenas esperar que a criança traga sua insatisfação, mas estar atento no dia a dia e tomar atitudes em relação às situações presenciadas, evitando a atitude de "não vamos incomodar" ou "não foi de proposito". Mesmo uma microagressão é uma agressão e identificá-la e penalizá-la é uma forma de fazer com que ela não se repita. 

Como evitar o racismo na escola

A educação sobre questões de raça pode começar cedo e precisa do envolvimento tanto do corpo docente quanto dos responsáveis pelos alunos e alunas. 

Não existe um único ponto a ser considerado, mas uma série de atitudes que estimulem comportamentos inclusivos e debates sobre o tema. Por exemplo:

  • Rodas de conversa com direcionamento de educador e/ou psicólogo.
  • Contações de histórias que tragam o reconhecimento de situações e discriminação.
  • Filmes e livros que colocam as pessoas negras como protagonistas.
  • Brincadeiras com temáticas diversas e que estimulem a participação de todos.
  • Resgate e valorização da história da população negra no Brasil.

8 filmes sobre racismo na escola

O assunto é importante para pessoas de todas as cores. Uma forma de promover a discussão em casa é através do cinema. Filmes estimulam a empatia e mostram narrativas com as quais muitos não têm contato direto. Depois de assistir, vale conversar com as crianças e convidá-las a observar a realidade ao redor e ser parte da mudança. 

Confira duas dicas de filmes que tratam de racismo na escola:

Escritores da Liberdade

Esse filme de 2007 acompanha as histórias de um grupo de jovens negros colocados na turma de “alunos problemáticos” da escola. Através de um projeto de escrita de diários, a professora nova, interpretada por Hilary Swank, passa a descobrir a trajetória de cada um desses personagens. 

Entre os Muros da Escola

Vencedor da Palma de Ouro, Entre os Muros da Escola, fala sobre o desafio de educar um grupo de jovens menos favorecidos na França. O grupo de alunos conta com imigrantes da África, Oriente Médio e Ásia. O filme trata de questões de racismo e desigualdade social.

Ao Mestre com Carinho

Esse clássico de 1967 tem Sidney Poitier, o primeiro ator negro a receber um Oscar, no papel principal. No filme, um professor negro vai dar aulas para adolescentes marginalizados em uma escola no sul de Londres. Para além do racismo, escancarado na forma como o professor negro é recebido pela sala majoritariamente branca, também há uma forte questão de classe e debates sobre métodos ultrapassados de educação.

Luta por Justiça

Ainda que não se passe dentro de uma escola, o filme de 2020 com Michael B Jordan e Jamie Foxx também fala de educação ao mostrar um advogado recém saído de uma faculdade de renome que decide lutar pelos seus direitos de presos do sul dos EUA. É um filme forte e que fala de questões raciais e atuais.

Mãos Talentosas

O filme é uma história de superação que acompanha um jovem de infância pobre e mau rendimento escolar em Detroit, EUA, que se torna um neurocirurgião respeitado mundialmente.

Encontrando Forrester

Com Sean Connery e Robert Brown, esse filme do começo dos anos 2000 conta a história da amizade entre um aluno negro bolsista em uma escola de elite em Nova Iorque e um velho escritor recluso que identifica seu talento para a escrita.

Sarafina! O Som da Liberdade

Esse musical com Whoopi Goldberg acompanha a trajetória de uma estudante na África do Sul nos anos 1970 ao adquirir consciência política sobre o Apartheid.

Alguém Falou de Racismo

Após um desentendimento em sala de aula por causa de uma fala racista, uma professora de português e um professor de história começam uma discussão em grupo cheia de aprendizados. O filme é costurado com falas de líderes do movimento negro, estudiosos de questões de racial e vítimas de racismo. Ele ajuda alunos e familiares a entenderem o que é racismo e como lutar contra ele.


Mães e pais podem e devem se somar a essa mudança. A família e a escola, juntas, podem ajudar a transformar a realidade de racismo e construir uma sociedade mais plural, mais igualitária e mais tolerante. Uma sociedade onde, independente da cor da pele, do penteado ou da cultura, todos possam se aceitar e ser aceitos. 

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