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Obesidade infantil: a restrição alimentar não é a solução

Carol Albuquerque CA
a imagem representa a obesidade infantil mostrando uma criança conferindo o seu peso em uma balança

A obesidade infantil é hoje um dos maiores problemas de saúde pública a ser enfrentado. Cerca de 124 milhões de crianças e adolescentes ao redor do planeta apresentam problemas com excesso de peso. O Brasil também apresenta um número preocupante, pois, apesar de estar no mapa da fome, 3 em cada 10 crianças brasileiras estão acima do peso.

Por ser um tema importante para todas as pessoas que se preocupam com a saúde e bem-estar da criança, trago a discussão para esse espaço tão acolhedor.

Porque, se a obesidade infantil pode causar danos à saúde, é importante entender que ações de tratamento e/ou prevenção baseadas em dietas restritivas também podem ser prejudiciais. Vamos entender como superar essa questão de uma forma positiva para nossas crianças? Siga a leitura:

Os problemas da obesidade infantil

A obesidade infantil pode levar a diversas consequências, como: puberdade precoce, diabetes, hipertensão, colesterol alto, asma, apneia do sono, gordura no fígado, além de dores articulares e dificuldade em fazer movimentos físicos devido à sobrecarga do aumento do próprio peso.

Além desses problemas, pode também desencadear comprometimento psicossocial na saúde da criança. Um exemplo disso é a realidade comum nas escolas, em que o bullying é praticado por outros alunos por conta do peso do colega. Essas atitudes prejudicam o envolvimento da criança no aprendizado e podem levar a episódios de ansiedade, isolamento social, baixo autoestima e até depressão.

Você sabia que rotular uma criança de “gorda” tem efeitos negativos gigantescos, que podem se estender até a vida adulta? Segundo estudo realizado por psicólogos da Universidade da Califórnia, meninas chamadas de “gordinhas” pela família são mais propensas a serem obesas na vida adulta.

Portanto, com tantos danos ocasionados pelo excesso de peso, é de extrema importância reduzir os índices de obesidade infantil, sendo esse um dos desafios atualmente dentro da nutrição materno infantil.

Mas, afinal, o que pode ocasionar sobrepeso e obesidade na infância?

A obesidade é uma doença multifatorial, diagnosticada e classificada de acordo com o IMC (Índice de Massa Corporal) e as curvas que relacionam o peso, estatura e idade da criança. As causas do ganho de peso na infância estão relacionadas a fatores tanto genéticos quanto ambientais, como privação de sono, sedentarismo, alimentação inadequada, falta da percepção de sinais de fome e saciedade, tempo de tela, dentre outros.

Estudos atuais demonstraram que crianças que passam grande parte do tempo do seu dia vendo televisão e/ou mexendo nos celulares e computadores apresentam uma tendência maior ao ganho de peso. Além da inatividade física nesse longo período, essas crianças, na maioria das vezes, consomem petiscos enquanto assistem à tela, influenciando no excesso de calorias, carboidratos, gorduras e açúcares nesses momentos.

Observar a rotina é tão importante quanto olhar para os alimentos

Sendo o ambiente um fator importante, é necessário observar a rotina da criança como um todo. Ela costuma dormir em horários regulares e tem boas horas de sono durante a noite? Faz as refeições em um ambiente adequado, tranquilo em que consegue realmente ter atenção plena no momento em que se alimenta? Come sozinha ou tem a presença de familiares ou cuidadores? Se movimenta ao longo do dia (aula de esportes, brincadeiras no parquinho, andar na rua etc.) ou fica em casa na maioria do tempo em telas ou mesmo sem movimentar-se?

Perceba quantas questões são importantes, porém é muito comum receber no consultório crianças com sobrepeso ou obesidade, em que muitas vezes o olhar está somente para os alimentos ingeridos.

É possível tratar sem causar danos?

Não é incomum ver crianças angustiadas ao entrar no consultório. Afinal, ela já está cansada de escutar que está acima do peso e que precisa fazer uma dieta restringindo os alimentos que para ela são gostosos e dão conforto. Nesse momento, ela acredita estar diante de um profissional nutricionista, que possivelmente reforçará esse discurso dos alimentos que deverão ser proibidos.

No entanto, no meu trabalho com a nutrição materno-infantil aliada ao comportamento alimentar, conseguimos deixar esse momento mais leve para essa criança tão angustiada. Primeiro porque o foco dos atendimentos não é o peso da criança, pois, afinal, peso não é um comportamento (perda de peso será uma consequência).

O peso não deve ser o foco, mas sim o comportamento alimentar.

Partindo desse pressuposto, investigamos junto à família questões que vão além do alimento ingerido e do peso da criança. Com isso, as famílias entendem que tão importante quanto o que a criança come é o como e o porquê se alimenta.
Portanto, além das questões relacionadas ao ambiente já citadas aqui, é fundamental ajudar essa criança a identificar sinais de fome e saciedade e emoções/sentimentos relacionados ao comer.

Comportamento alimentar começa a ser moldado ainda bebê

É comum que, quando ainda bebê, qualquer sinal de desconforto seja confundido com fome (bastou um choro e lá vem o peito ou mesmo mamadeira), sendo que muitas vezes pode ser sono, dor, frio, cólica etc. Isso se torna um problema quando, no decorrer da vida dessa criança, comer continua sendo uma forma de conforto de forma excessiva (mesmo sem fome sempre lhe é oferecido algum alimento para confortar).

É fome ou necessidade de conforto?

Você provavelmente já sentiu na pele isso, ao se pegar abrindo a geladeira para comer algo sem ao menos saber o que de fato queria comer ou mesmo, se realmente estava com fome. Muitas vezes por tédio, ansiedade ou mesmo por estar triste... enfim, são tantos sentimentos que podem nos levar a atacar um pote de sorvete ou uma caixa de chocolates, sem se dar conta do quanto comeu.

Daí a importância de ajudar essas crianças a identificarem seus sentimentos e, após identificá-los, fazermos uma lista de situações que podem ajudar a lidar com esses sentimentos sem usar a comida. É uma lista individual que engloba desde brincar com seu pet, ouvir uma música, conversar com um familiar, enfim, abrir a mente para outras possibilidades de lidar com sentimentos sem atacar a despensa.

Entendendo a vontade de comer

É importante ajudar a criança a reconhecer seus sinais de fome e saciedade. Uma dica é fazer perguntas antes mesmo de começar a refeição (é fome de formiguinha ou de leão?) e durante a refeição ajudá-la a identificar o quão satisfeita está (costumo usar uma escala de fome e saciedade para isso).

Existem também dinâmicas com alimentos ou com copo d'água, em que vamos ajudando a criança a identificar sinais que o corpo dela emite quando ela está satisfeita, ou mesmo quando já está satisfeita mas continua comendo por estar muito gostoso, por emoções ou por comer distraída.

Essas dinâmicas devem ser escolhidas de acordo com a idade da criança, de forma que ela possa entender essas informações. Nesse caso, o nutricionista se torna um facilitador desse processo em que a criança aprende a ser uma verdadeira especialista no próprio corpo.

Melhorando a qualidade alimentar da criança gradualmente

Além de olhar para as emoções, muitas vezes negligenciadas em casos de sobrepeso e obesidade na infância, também é preciso olhar para o prato. Mas com calma.

Deve-se organizar a rotina alimentar dessa criança, que, em geral, precisa melhorar a qualidade nutricional, além da quantidade ideal, para cada faixa etária.

Também é importante trabalhar a melhora da alimentação, com a inclusão de alimentos de melhor qualidade (e não com dieta restritiva) e, aos poucos, tirar os alimentos que não deveriam fazer parte da rotina alimentar dessa criança.

Evitando tratar alimento como moeda de troca ou punição

Essa substituição gradual é diferente da dieta restritiva, muitas vezes punitiva. E também difere da moeda de troca.

Frases como “não coma isso, vai engordar” e “ se você comer todo o prato de salada, vai poder comer um docinho” não devem fazer parte do cenário de educação alimentar, principalmente no tratamento da obesidade. Para a criança gostar de comer, ela precisa fazer um link positivo com os alimentos e o momento da refeição e não o contrário.

Restrição pode levar a compulsão, ou seja, o alimento proibido virar objeto de desejo. Quer um exemplo? Se te disser agora que você não pode de forma alguma comer chocolate ou algo que gosta muito, provavelmente toda vez que ver esse alimento em alguma situação sentirá mais vontade.

Então, se o caminho é a inclusão e não restrição, como faço isso nutri?

Sempre dou o exemplo do leite com achocolatado. A criança toma um copo com 5 colheres de sopa de achocolatado e, no mundo ideal, deveria substituir por 1 colher de sopa de cacau 100%. Você acha que essa criança conseguirá substituir facilmente?
O paladar, quando viciado em alimentos altamente palatáveis, com excesso de açúcar, gorduras, aromatizantes, por exemplo, faz com que a criança dificilmente sinta prazer em uma alimentação baseada em alimentos in natura, como as frutas, legumes e verduras.

Algumas sugestões de estratégias para melhorar a alimentação gradualmente

São várias estratégias de acordo com a rotina da criança para aos poucos melhorar a alimentação dela de forma efetiva e não como uma dieta restritiva a curto prazo.

O caminho é ter consciência do que é possível para este momento. Veja alguns exemplos:

  • No caso da criança que tomava o leite com 5 colheres de achocolatado, mudar o leite para 4 colheres de achocolatado por alguns dias e diminuir gradativamente pode ajudar.
  • Incluir preparações mais atrativas com frutas, como o sorvete caseiro, pode ser uma tentativa de incluir uma fruta na rotina daqueles que as recusam.
  • A criança não come absolutamente nenhum legume, mas ama batata frita? Fazer batatas como se fossem fritas no forno ou fritadeira elétrica e mesclar com outros tubérculos, como batata-doce, mandioquinha, mandioca.
  • É importante substituir por melhores opções os alimentos altamente palatáveis, como biscoitos, chocolates, bebidas açucaradas etc. Hoje temos melhores opções desses alimentos para fazermos essa transição, diminuindo assim a quantidade de calorias, gorduras e açúcar.

E já ia me esquecendo: vale o alerta também para o cuidado ao sair restringindo diversos alimentos da rotina alimentar da criança, sem orientação profissional, pois, além de poder levar à compulsão, pode ser prejudicial para o crescimento, desenvolvimento e desempenho escolar.

A nutrição materno infantil aliada ao comportamento alimentar pode ajudar a prevenir e tratar sobrepeso e obesidade, estimulando a alimentação saudável de forma gostosa e prazerosa! Sempre respeitando a criança, fazendo com que momentos de angústia e estresse possam se tornar em um processo mais leve e tranquilo.

Por fim, mas importantíssimo: atenção à sua alimentação também, pois nossos pequenos se inspiram nos familiares, sendo assim é uma ótima oportunidade para melhorar a alimentação de toda a família.

Contem comigo nesse processo!

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