Como minhas filhas lidam com pais separados
Me separar do pai das minhas filhas foi uma das decisões mais difíceis que tive que tomar na vida.
Lembro que foi um furacão passando pela minha vida. E, junto com tudo aquilo, vinha a pergunta: “Como vou contar pra Alícia que nossa ‘família’ não está mais junta?”.
Um parêntese sobre o conceito de família:
Coloco família entre aspas porque, pra mim, o conceito de família vem de união, conforto, afeto, apoio – e não somente porque temos laços sanguíneos com alguém. Podemos, inclusive, com mais maturidade e se necessário, escolher nossa família, nossos afetos e decidir com quem realmente queremos e nos sentimos seguros e felizes para conviver. E, complementando o conceito família, também sempre ensinei pras meninas que ela pode ser composta de muitas formas: por dois pais, duas mães, uma avó, uma madrinha, padrasto, madrasta, mãe ou pai solo.
Dito isso, volto às minhas lembranças.
Criando coragem para conversar com as crianças sobre a separação dos pais
Na época, ainda não me preocupava em como Lara ia encarar aquilo, ela tinha apenas 1 mês de vida. Esse papo era mais pra frente! Acredito até que senti um alívio por estar me separando com a Lara pequenininha, ao mesmo tempo que foi dilacerante pra mim.
Alícia, com 4 anos, vivia um misto intenso de sentimentos: havia acabado de se tornar irmã mais velha, “perdeu o trono” de filha única e via que algo estranho estava acontecendo entre seus pais.
Lembro de falar pro pai delas que precisávamos sentar com ela e sermos sinceros. Era a única coisa que eu prezava: a confiança e a sinceridade com minha filha. Além da minha felicidade, claro.
Jamais subestimemos nossas crianças: elas são espertas, sagazes, observam, sugam, lidam com as situações difíceis da forma que recebem todas as informações à sua volta. Por isso, prezo sempre por um ambiente saudável dentro de casa.
Continuar um relacionamento onde há qualquer tipo de violência – verbal, física ou emocional – na frente das crianças é fazer com que elas naturalizem todo tipo de violência e mais tarde a reproduzam, seja num futuro relacionamento amoroso ou até mesmo em seu convívio social.
Sempre tentei, mesmo que de forma inconsciente, validar os sentimentos da Alícia. Eu ainda não sabia nada sobre disciplina positiva e CNV (comunicação não violenta) – nem lia sobre o assunto. Hoje, aplico com consciência tudo o que consigo na criação delas, acho importante.
Separação dos pais: tem jeito certo de contar para as crianças?
Eu e Leandro sentamos com ela, e eu comecei a falar, não lembro exatamente as palavras, mas o sentido foi esse:
“Filha, papai e mamãe te amam muito. Você sabe disso, né?”, ela balançava a cabecinha em afirmativo. “Queremos que você saiba de algo que está acontecendo. A partir de agora, você terá duas casas e nas duas casas você vai ser igualmente amada. Mas pra felicid…” e, antes mesmo de eu terminar a frase, ela já me cortou com uma calma assustadora:
“Vocês estão se separando, é isso?”
Ou ela queria sair logo dali ou ela sabia realmente o que estava acontecendo. E, olha, pelo menos na minha história nunca houve agressões verbais ou físicas, o que acontece em muitas e muitas casas. Precisei também reforçar que nada daquilo que estava acontecendo era culpa dela ou da irmã. Aliás, não precisamos achar culpados nessa hora.
Lidando com as mudanças na dinâmica familiar após a separação dos pais
Dali pra frente, fomos nós três: eu, Alícia e Lara. Trabalhando nos EUA, como trabalha até hoje, ele teve uma convivência menor com elas. Mas eu estava ali, todo dia, tentando, elaborando, validando, chorando. Como eu já disse num outro texto aqui na plataforma, elas viveram esse luto comigo. E esse luto é necessário viver. Olhar, entender, deixar morrer, enterrar pra que renasça.
Acredito que as piores situações foram as que eu passei em festividades escolares, quando ainda me deixava ser levada pela equivocada ideia de estar numa escola que ainda festeja dia do pai, dia da mãe, dia da avó... Recordo com muita dor no coração os dias dos pais em que ele não pôde estar presente. Em todos esses momentos, lembro de ver poucos amigos da Alícia com pais separados - quase nenhum. E isso era muito questionado por ela. E íamos conversando, sempre! E eu sempre voltava com ela ao entendimento de ter uma mãe em busca da sua felicidade, liberdade, autonomia. Que, se continuássemos juntos, talvez mamãe não estivesse tão feliz.
Pais separados seguindo em frente: madrastas e padrastos
Acho importante aqui também trazer uma pauta sobre apego, sobre a ideia de nossos filhos serem parte da vida de outras pessoas, no caso, os novos cônjuges: o padrasto e a madrasta.
Hoje, ambos temos novos parceiros. Elas já têm novas irmãs por parte de pai. E o que mais quero é que essa pessoa que passará a fazer parte da vida delas, seja quem for, dê amor, acolha, seja paciente e divida comigo e com o pai quaisquer questões ou decisões a serem tomadas na vida delas.
Fico atenta a elas sempre: ouvindo, perguntando. Também atenta para não descontar minhas frustrações e medos nelas.
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O que minhas filhas pensam sobre ter pais separados?
Hoje, quando pergunto pra elas como é ter pais separados, vejo dois pontos de vista: Alícia, com 13 anos, lembra do papo que tivemos quando ela tinha 4 anos, diz que sabe que foi o melhor pra mim, que adora ter duas casas, se sente igualmente amada nas duas e aprendeu a lidar com tudo.
Lara, com 9 anos, nunca soube como é conviver com o pai e mãe juntos e ainda nutre uma leve frustração reproduzindo a fala: “Eu queria que vocês tivessem juntos porque nunca tive essa experiência, mamãe”. Isso é compreensível, mesmo ela amando muito o padrasto e a madrasta. Ela sabe também o que sempre fiz questão de reafirmar: uma mãe feliz, dona de si e de suas escolhas é uma mãe que pode oferecer mais qualidade de vida. Como posso dar amor, alegria e força pra minhas filhas se não sinto isso?
Cuidando das minhas filhas depois da separação
Depois da separação, que não foi amigável, meu maior medo era de, na hora da raiva, de uma briga, eu vomitar toda a minha dor, minhas cobranças e o desejo de falar mal do pai delas. Nunca fiz isso e jamais farei. O nome disso é alienação parental, já ouviu falar?
Confirmada a prática de alienação parental, o alienador ou a alienadora pode perder a guarda da criança e o regime de convivência pode ser restrito. É inadmissível e causa muitos danos ao psicológico das crianças.
Sempre fiz questão de ter o controle, mesmo na raiva e nas brigas com ele, pra não deixar que isso transparecesse pra elas.
A separação dos pais é um processo diferente para cada família
Sei que muitas histórias são diferentes da minha. São muitas maternidades e paternidades plurais e diversas. Tenho amigas que explodem, amigas que, por mais exaustas que estejam, nem querem enviar o filho para o genitor. E aí são muitos recortes sociais em que entraríamos.
Relato aqui meu caminho, minha trajetória, a fim de dizer a vocês que seus filhos superarão essa situação. Eles te entenderão e te apoiarão, se sempre tiverem certeza de que tudo o que é dito a eles a respeito desse processo é verdadeiro e legítimo e se souberem que a culpa não é deles.
A separação dói, frustra, é cansativa e pode causar traumas, mas também pode ser um grito e uma porta de liberdade para muitas mulheres. Lidar com seus filhos pós-separação é uma responsabilidade enorme, uma prática diária, cheia de altos e baixos, cheia de bifurcações e ciladas – mas que pode ser a melhor alternativa para que crianças não cresçam dentro de um lar violento, hostil em que muitas vezes eles podem achar que aquelas pessoas estão juntas e infelizes por causa deles.
Como tenho pouco contato com o pai delas, não sei tanto o que se passa lá. Sigo a linha achando que pai precisa ser pai e mãe precisa ser mãe. Então, quando elas estão com ele, cabe a ele toda a responsabilidade, além de, claro, confiar no que construímos juntas, tendo a certeza de que saberei identificar qualquer anormalidade comportamental vinda delas. Tenho a certeza de que elas sabem que em mim existe um porto seguro e feliz pra aportar sempre que quiserem.
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