Falar na escola: “Com 2 anos, meu filho ainda não falava”
Quando uma mãe percebe que sua criança tem dificuldade de falar na escola, ela pode pensar “tudo bem, cada criança tem seu tempo e vou esperar ela se desenvolver” ou “acho que realmente precisamos investigar melhor o que está acontecendo”.
A jornalista Carine Leal foi pelo segundo caminho quando notou indícios de que seu filho Antônio não falava como as outras crianças.
No bate papo com Ninhos do Brasil, ela conta sobre como foi e como está sendo o processo de lidar com o atraso de fala do seu menino.
“Só eu e meu marido entendíamos o que nosso filho queria dizer”
Desde pequenininho, Antônio foi estimulado a falar e a repetir o que a mamãe lhe mostrava – mas Carine tentava fazer isso com naturalidade, afinal, a tendência é que a criança aprenda e reproduza sozinha os nomes das coisas.
Canções pra cá, brincadeiras pra lá e, com menos de 2 anos, Antônio já sabia quais eram todas as cores. Mas falar o nome delas era outra história. Quando ele finalmente conseguiu falar “veve” (a cor verde) foi uma alegria geral!
Carine relembra um episódio: “Ele adorava banana. Pra ele, banana era ‘memi’ (o mesmo nome que dava para a cor vermelha). E eu dizia: ba-na-na, sílaba por sílaba, e ele repetia junto. No final, vamos, Antônio: banana! E ele: memi! Depois, banana virou ‘manô’”.
Assim foi acontecendo no lar do Antônio: a mãe e o pai entendiam o que o menino queria dizer, mas se ele tivesse que se comunicar com outras pessoas, suas palavras não soavam muito nítidas. Falar na escola, por exemplo, era difícil.
Carine conta que o filho começou a ir para a escolinha com 1 ano e 7 meses: “Percebi que crianças de 1 ano e 4 meses já falavam mais que ele na escola. Eu comentava com amigas e outras pessoas, e todo mundo na mesma linha de pensamento: ‘precisa respeitar o tempo de cada criança’”.
Falar na escola: quando se preocupar com o atraso na fala?
“Por volta dos 2 anos é esperado que a criança já tenha um vocabulário variado e seja capaz de elaborar frases de 2 a 3 palavras (dá água, não quero, tchau papai)”, explica a fonoaudióloga Marisa El Hadi.
Porém, o diagnóstico vai além do número de palavras pronunciadas, continua Marisa: “Estando a fala relacionada ao processo de aquisição da linguagem e desenvolvimento motor oral, é fundamental um olhar amplo para a criança, incluindo outros fatores e comportamentos”.
Mas que fatores são esses?
Além da quantidade de palavras que a criança fala na escola ou em casa, o profissional de fonoaudiologia vai avaliar a oralização, audição, linguagem e socialização. No quadro abaixo, você confere cada um deles:
A criança não fala na escola ou em casa? Fatores a avaliar:
- Oralização: presença do balbucio, associação de sons aos gestos, vocalizações ao brincar.
- Audição: reação a sons inesperados, atender quando chamado, procura da fonte sonora.
- Linguagem: expressão de suas vontades e sentimentos, compreensão e acato de ordens, imitação de gestos e da fala, uso de gestos para se comunicar.
- Socialização: pode ocorrer de a criança ainda não falar, mas apresentar a maioria dos comportamentos acima descritos, sugerindo um diagnóstico de atraso na fala sem outros comprometimentos.
De qualquer forma, somente a avaliação do pediatra junto ao fonoaudiólogo irá definir o diagnóstico. O ideal é que ele seja feito o quanto antes para não comprometer o desempenho social e escolar da criança. “Apesar de cada criança ter seu tempo, a ausência de fala aos 2 anos já deve ser investigada”, pontua El Hadi.
Falar na escola: entre preocupações e possibilidades, o melhor foi buscar ajuda profissional
Quando Antônio completou 2 anos, os pais marcaram a consulta com a fono e levaram uma lista de 40 fonemas e seus significados que o filho usava para falar na escola e em casa. Feita a primeira conversa, o filho já começou o acompanhamento fonoaudiológico.
Problemas de audição foram descartados. Autismo também. O menino interagia e se comunicava, mas não conseguia falar.
Em suas pesquisas, Carine desconfiou que o filho tivesse apraxia de fala, uma dificuldade neurológica de processar os sons e reproduzir no movimento da boca. Mas conforme ele evoluía, também esse diagnóstico foi descartado.
“Um pouco antes dos 3 anos, a palavra banana finalmente saía certinha, por volta dos 3 anos e meio, a fala dele deslanchou. Vieram argumentações, frases mais completinhas, virou uma chave na fala dele.”
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“Ele fala!”
Essa foi a surpresa do amiguinho Chico ao reencontrar Antônio depois de um tempo e perceber que agora o amigo conseguia expressar em palavras suas vontades.
Com a alegria de ver o filho finalmente conversando, e a linguagem avançando, os pais relaxaram um pouco. Sabiam que o filho tinha dificuldades em alguns fonemas, mas estavam felizes: ele fala!
Sem diagnóstico fechado e com a mudança da fonoaudióloga para outra cidade, Antônio teve alta com 4 anos. “A ideia era continuar, achar outra fono legal pelo plano de saúde, mas aí veio a pandemia”, explica.
Hoje com quase 6 anos, Antônio ainda troca algumas letras e engole outras, o que demonstra um certo atraso em relação à média do desenvolvimento infantil.
“Ano que vem ele entra na alfabetização. Minha mãe é professora de 1ª série e me deu o toque de que essas trocas de consoantes poderiam atrapalhar a escrita.”
Agora, ele passou recentemente pela consulta com uma nova fonoaudióloga. “Vamos ver como será essa segunda etapa”.
E o coração de quem cuida, como fica?
Uma das lembranças compartilhadas por Carine foi a ansiedade e frustração em comparar o filho com as outras crianças. “Eu sei que não se deve comparar, que cada criança é única, mas não conseguia evitar. Não via a hora de ouvir dele como ele estava percebendo o mundo”, conta.
“Teve uma reunião da escolinha em que os pais e mães estavam todos contando sobre as falas fofas e engraçadas de seus filhos. Mas meu filho não me contava nada, porque ele não falava. Ele não montava narrativas ainda. Doía perceber que meu filho precisava de estímulos a mais que os outros”, lembra.
Mas esse sentimento passou. “Entendi que tinha muita expectativa minha. Eu falo muito, ele é mais tímido”. Carine acredita que essa diferença de personalidade pode ter influenciado ou mesmo atrapalhado o desenvolvimento da fala do filho. “Instintivamente, eu acabava mediando muito as relações dele, brincava junto com os amiguinhos para ajudar na interação”, pondera e logo brinca “olha a culpa materna, aí!”.
A família comemora cada avanço. “Quando ele está entre amigos e em casa, ele fala bastante, explica regras de jogos para os mais novos, é muito fofo”, se derrete.
“Confesso que chegou aquele momento que eu esperava tanto: reclamar da criança que não para de falar! Mas reclamo feliz da vida. Ele argumenta, tem um vocabulário vasto, mas não pronuncia tão perfeitamente as palavras. Às vezes, quando a palavra é complicada, ele usa sinônimos.”
Ele mesmo comemora as conquistas na fala. “Quando eu era bebê, eu falava áiguia, mas agora eu falo água.” 😎 – ele brinca.
Falar na escola: dicas da fonoaudióloga para estimular a criança
Falar na escola não foi possível para muitas crianças que, devido à pandemia e ao isolamento social, tiveram esse estímulo ambiental reduzido. As crianças que estavam no início da aquisição da fala sentiram ainda mais o impacto.
“Pouco contato social; permanência em um mesmo ambiente, sem novos desafios; pais com pouca disponibilidade, pois necessitavam continuar trabalhando e não podiam contar com o apoio de terceiros: esses fatores contribuíram para o atraso na fala”, avalia Marisa.
O conselho de Carine, como mãe, é: procure ajuda. Converse com o pediatra, peça encaminhamento para avaliação com fonoaudiólogos, seja pelo convênio, pelo SUS ou particular, se puder.
“Você só tem a ganhar: seja em tranquilidade, seja em ajuda se for algum transtorno mesmo. Procurar ajuda não é ‘desrespeito ao tempo da criança’ é buscar uma ajuda para si, para ela. Aliás, todas as crianças que eu via na fono adoravam as sessões”, completa.
A fonoaudióloga Marisa El Hadi complementa a lista de dicas para pais e mães que observam atraso na fala dos seus filhos:
- Busque narrar para a criança tudo que está sendo feito (“vamos lavar o pé”), estimular a imitação de gestos e da fala com músicas infantis e com foco em palavras curtas e de uso freqüente e que tenham funcionalidade para a criança (caiu, dá, au au, água).
- Reserve um período do dia para brincar com a criança, fantasiando, oralizando, conversando.
- Evitar o uso de telas eletrônicas antes dos 3 anos, lembrando sempre que esses dispositivos devem ser usados para complementar e nunca para substituir o aprendizado natural da criança.
- Por fim, lembre-se que vocês são os pais e não os terapeutas das crianças, tudo deve ser feito de forma lúdica, natural, dentro da faixa etária da criança e sem cobranças excessivas.
Com ajuda, paciência e compreensão, a criança não só vai desenvolver a fala, como também vai se sentir confortável para falar. Seja na escola, em casa, com os amigos, em todos os lugares que ela for. 💛
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